Ceticismo sertanejo
Nos lamentos pela chuva
Pela água que não cai
Pela vida de saúva
Esperando por um Pai
Sertanejo desafia
Sob o sol forte do dia
As coisas da natureza
Reclama e não pode crer
Que ele ainda vá ver
Água fresca e farta mesa
Blasfema e esconjura
Feito onça mais o cão
Berra alto cada jura
De fuga desse sertão
Que no alto lá da serra
Onde é mais fria a terra
Mulher pára de parir
Até o dormindo acorda
O suicida na corda
Desata o nó pra ouvir:
“Pra chover nestas paragens
Nesta terra de ninguém
Onde as águas são miragens
Nos olhos dos sem-vintém
Só milagre muito forte
Um vento vindo do norte
Dos confins onde tem neve
Nem reza braba nem mansa
Vai poder encher a pança
E os bolsos de quem deve...
Só vai chover neste inferno
Se o capote tiver dente
Se o casório for eterno
Cabelo de nêgo em pente
Passar sem reclamação
Se o diabo comer pão
Que ele mesmo amassar
Se a cana do boteco
Não terminar em boneco
Com defunto pra velar...
Se as mulheres desta vida
Da vida e de família
Tiverem curta medida
Na prática da vigília
Nos oitões e nas janelas
E as grandes línguas delas
Passarem sem forcejar
Em buraco de um metro
E um rei vender seu cetro
Com intenções de ajudar...
Se o mundo, num desvario
Der meia-volta e girar
Ao contrário, e um rio
Sair do rumo pro mar
Se a cachoeira caindo
Resolver voltar subindo
Pela trilha da nascente
E um cabra de finura
Conseguir na lábia pura
Convencer um mói de crente...
Se os pebas do sertão
Numa mostra de braveza
Quiserem cavar no chão
Uma cova de largueza
E compridez tão medonhas
Que sem quaisquer parcimônias
Conseguisse comportar
Toda a Serra do Apodi
Mais inteiro o Cariri
E o povo de Quixadá...
Se o dinheiro do galego
Que vendeu aquele jarro
For pago com desapego
E de um monte de barro
Ajuntado de repente
Erguer-se um homem vivente
Que fale e que ande só...
Só assim, depois de tudo
E só se cantar o mudo
É que virá um toró...”
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