Menina
Da parte dela, foi despretensiosa a primeira aparição. Surgiu sozinha, nem me lembro direito onde. Apareceu feito um colibri que não dá a mínima para os ornitólogos de plantão, bebe da flor e sai no seu suave bater de asinhas.
Apareceu, desapareceu, reapareceu, desapareceu... e continua aparecendo, desaparecendo e reaparecendo. Em todos os encontros, é como se eu a visse pela primeira vez, é a mesma intensidade multicor da primeira vez. Sim, são encontros. Mas só eu me encontro com ela. Ela nem me nota. Talvez até note, mas finge que não nota. E a ela é permitido fingir, por ora. No elevado pedestal da sua graça, ela é a estátua intangível, indiferente à admiração dos passantes. Apenas fica parada, sem demonstrar o menor esforço de beleza. É como se o seu monocromático esplendor cinza não carecesse de cores para resplandecer.
Traz na pele, de fato, algo que recende a leoa. Para bem dizer, não é só pela cor, que dança entre a pena do sabiá e o papelão da caixa. A pele é como manta de quietude, garantia absoluta de caça segura. Os cabelos, numa tessitura longitudinal e perfeita, são como redes de pesca que, sem querer, se engancham num pedaço de coral. A voz, ouço-a aos sussurros, nada mais que amostras pequenas de sedução sonora. As orelhas, protegidas contra palavreado barato de galanteador, bailam como dois bombons de chocolate, correndo o risco de serem abocanhados.
Lábios, olhos, dedos, colo, nariz, mãos, queixo, pés, panturrilhas, coxas, pernas inteiras, seios... todo o sistema ideal, enfim, dispensa qualquer descrição falha de um observador ofuscado diante de tamanha luz, fracassado em qualquer tentativa de retratar-lhe o encanto.
Não conheço seu nome, seus medos, suas paixões, suas dores, suas saudades, seus mistérios. Por ora, contento-me apenas em contemplá-la e chamá-la de “menina”.
1 Comments:
Bem, todo bom poeta gosta de receber elogios...(Já dizia Machado de Assis).Tenho visitado alguns bloggers e confesso: nenhum deles (que apresentam poemas) se compara aos seus.
Apreciei "Menina".
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