Não tinha mais vergonha do ofício, do papel social que exercia. Sim, era um ofício. Não deixava de ser. A despeito das ofensas de que era vítima, considerava-se honrada. A honra (na acepção biológica da palavra) fora arrancada há muito, mas a honra moral, abstrata e rara, essa ela tinha. Era puta mais por opção que por necessidade. Para bem dizer, era pelos dois motivos. Notável a sua desenvoltura nas artes do amor. Trabalhava com prazer.
Seguia uma dura rotina. A jornada começava de manhã: colchão duro de cama de casebre, pão velho, leite quase ruim, roupa suja, roupa limpa, penteadeira, maquilagem singela e, finalmente, praça.
Nesse fim quase poético de carreira, lembrava-se das noites distantes... Que era feito daqueles tempos áureos? Das noites em que se deitava com os figurões da cidade: deputados, coronéis, médicos, juízes... até padres. Ganhava mimos de toda sorte, era esposas, várias. Mas todas elas um tanto mais ousadas. Poligamicamente generosas e interesseiras. E agora ia à praça.
Lugar que as meretrizes mais experientes (para não dizer obsoletas) faziam de vitrine – a praça – era, numa análise animalesca, um cemitério sem buraco nem terra. Elas, as putas, eram cadáveres expostos ao vento; os clientes, vermes comedores de carniça. Pobres meretrizes, escória de uma sociedade escoriada, maltratada e subjugada por outras sociedades mais fortes... Pobres meretrizes, vilipendiadas pelos vilipendiados pelos vilipendiados pelos vilipendiados.
E ela era apenas mais uma puta. Uma putinha. Das putas, a puta desgraçada em fim de carreira, de destino traçado pelas traças. Futuro preto cor de noite, da cor do preto sujo e pobre que solicitava seus carinhos baratos. Um preto longe do preto das noites luxuriosas, noites de cabaré lotado, borbulhante. Sob um olhar menos otimista, nem futuro tinha. Era nada menos profundo que um precipício. Era cair sem olhar e morrer.
E, mesmo assim, tomava os bondes rumo à praça. Tinha a praça como lugar sacro, um segundo lar. Mesmo sem tomar banho (quando não tinha água no cortiço), tomava os bondes. Empestava o ambiente coletivo com um perfume barato, um arremedo de fragrância agradável. Despertava nos tipos que com ela partilhavam o bonde os mais diversos sentimentos. Todos eles de desprezo; quando muito, de pena. “Quantos filhos? Doze? Pouco.”, jurava ouvir nos pensamentos das pessoas do bonde. Na verdade, nunca teve filho algum. Estéril. Não sabia se era dom divino ou maldição. De todo modo, nunca teve em filhos motivo de desespero financeiro. Na verdade, nunca quis parir.
Um peão, um bêbedo, um mendigo... Um a um, iam obtendo, sob os cuidados da puta, algo parecido com redenção. Incansável, cansada da guerra sem fim, rodopiava como um pião de criança. Mas puxaram o cordel com tanta força, que ela, mesmo depois de tantos rodopios, parecia estar longe de parar.
Seguia rodando, rodando... Um pião de cores escuras, que, misturadas num rodopio macabro, formavam uma tonalidade de preto, um preto-sepultura. Queria parar, mas não tinha força. O remédio era aguardar até o relógio da vida bater a hora da morte. E aguardou.
Mais tarde, inapelavelmente, soou a badalada fatal: morreu a puta. Demorou um tanto para encontrar a paz telúrica e definitiva. Antes de finalmente se deitar sozinha, foi devorada por outros vermes, os últimos.