Bloco do Eu Sozinho
Sob uma impiedosa chuva de confetes e serpentinas, vi um pirata perseguir avidamente uma bailarina. Como não tinha perna de pau, pôde avançar sem grandes dificuldades no meio da multidão ensandecida de foliões. Para apurar a visão, ergueu o tapa-olho. O papagaio, naturalmente sem vida, estava sumido desde o domingo. A bailarina, já sem o coque peculiar das bailarinas, andava a passos largos, sem olhar para trás, quase correndo.
Eu observava a fuga (ou perseguição) atentamente, a imaginar um sem números de motivos por que a bailarina fugia do pirata. Imaginava e, ao mesmo tempo, sentia um tanto de inveja do pirata. Aquele pirata, com o gênio aventureiro e a obstinação dos corsários franceses de outrora, perseguia uma caravela apinhada de prata americana, sua paixão. Eu apenas observava, traído por mim mesmo, um mero espectador.
Naqueles instantes, quis ter a mesma vontade hercúlea do pirata. Quis ter coragem para caçar a minha diaba. Ela, a minha diaba, tinha sumido no sábado, na boca da noite. Depois de uns goles de aguardente, sumiu-se no tumulto de máscaras e cornetas prometendo voltar logo. Não voltou. E eu sabia que não voltaria. Os tragos a levaram para longe, aos braços de algum papangu. Ilusão minha achar que foram os tragos de pinga que a tiraram de mim.
O fato é que fiquei sem a minha diaba, amargando o doce carnaval, com uma bisnaga de lança-perfume na aljava de arqueiro oportunista. Perdi a pena do meu chapéu e uma das minhas botas, mas a festa prosseguiu. Como ainda tinha flechas de sobra, abati algumas vistosas faisãs. Mira certeira no peito. E a diaba, munida de chifres, unhas, volúpia e sortilégios infernais, decerto continuou e continua arrebatando almas incautas. Eternamente.