Sunday, July 24, 2005

Serenata

Peguei do sinuoso violão,
E ele pareceu-me, em arremedo,
Teu corpo que me lança, lasso e tredo,
Acordes sustenidos de paixão.

Tangi as cordas d'aço sem segredo
E acertei pela fina afinação.
Vesti minha casaca e saí ledo
Tocando uma belíssima canção.

Eu ia à tua casa bem janota,
O cravo impecável na lapela,
Ver-te-ia ansiosa na janela

Aplaudindo o soar de uma nota...
Mas parou-me um bêbado matreiro:
"Toca aí a Marcha do Marinheiro"

Indignação

Era aquele um marido exemplar,
Um modelo de pai e namorado.
Homem franco, bondoso e honrado.
Um herói, o orgulho do seu lar.

Vaidoso, preparou o terno preto,
Lustrou bem cuidadoso a bengala.
Foi à missa no seu traje de gala
E, indo, viu a banda no coreto.

Rezou, sentou, levantou e saiu.
Chegou à casa e viu, como era moda,
A mulher com um moço em laço vil.

Parou. Refletiu. Tirou o chapéu.
Girou a bengala e bradou ao céu:
"Puta que pariu! Essa vida é foda!"

Sunday, July 10, 2005

I - do Perna-de-alicate

Agora vou contar o que vi quando estava em Jaçanã, mais ou menos perto do arruado de Cavalo D’ouro.

Passei lá ao redor de dois meses, na época da seca mais impiedosa. Fiquei hospedado na casa do Seu Juarez Silvino, vulgo Perna-de-alicate. Juarez era um sujeito parrudo e chaboqueiro. Tinha as pernas arqueadas, iguais as dum alicate. Mas a característica mais importante desse homem é o seu temperamento. "Ruim que só o cão", diziam as velhas comadres debruçadas sobre as janelinhas da vilota. Eu prefiro classificá-lo como intolerante. Penso que a maldade não lhe era inerente, não nascera com ela. Mas o mundo, as pessoas plantavam-lhe a semente da burrice e colhiam os frutos amargos e merecidos da vingança.

Para explicar melhor a intransigência do Perna-de-alicate, é melhor eu dar um exemplo.

Certa feita, Franzé, um mama-na-égua e papudinho das redondezas, deu para bulir com uma das filhas donzelas de Juarez. Quando ela, lata na cabeça, ia buscar água no açude, Franzé gritou injúrias e imoralidades: "Ah, um pão nessa padaria...", "Minha filha tá com um fervilhão na cerimônia?!".

Temerosa, a menina apressou a passada e nem olhava para trás. Mesmo sob efeito de cana, o nó-pelas-costas forcejou por alcançá-la. E conseguiu. Derrubou a coitada na beira do açude e tirou-lhe a honra. Explorou tão vorazmente a priquitança, que acabou por deixá-la esfulepada.

Logo que soube do acontecido, Perna-de-alicate decretou pena de morte ao estuprador. Pegou do facão amolado.

Embriagado, Franzé nem deu fé do grande perigo que dele se avizinhava. Continuou a andar despreocupadamente pelas estradinhas de piçarra da região. Ainda gabava-se aos camaradas de botequim. Julgava o feito um ato heróico, uma proeza digna de Hércules grego.

Mas Juarez estava fumando uma quenga. As gabolices do autor da estréia sexual não durariam mais que duas horas (contadas a partir do momento do delito). Armou-lhe uma tocaia na cabeça do alto. Esperou, esperou.

Passados alguns minutos de espera, Franzé apareceu. Melado e cara de inocente. Sem dizer palavra, Perna-de-alicate deu uma furada bem aqui no pescoço, lá nele.

Eu observava silencioso a desforra detrás dum juazeiro. Vi, por fim, o pobre-diabo, se vendo de dor no chão, pedir um último gole de cachaça da branquinha.

Declaração de amor por fineza

És, sim, a minha única amada...
Para mim, na doença ou na saúde
No sofá ou no fundo dum açude:
Estrela maior da pornochanchada.

Fui, sim, alvo das flechas do Cupido
Ele ferrou-me o coração, certeiro...
Sou, sim, teu empregado por inteiro,
Tua causa rebelde sem partido...

Eu, aqui feito um rato de Veneza,
Mesmo com o dedo sangrando em calo
As baratas na pizza calabresa...

Aqui, neste arremedo de Gomorra
Com muita dor de cabeça, eu falo:
Sinceramente... Eu te amo, porra!

Sunday, July 03, 2005

Saga da ascensão sócio-econômica

Com pressa de começar
As maldades de cãozinho
Revelou-se arruá
Nascendo setemesinho

Desde novo muito esperto
Sempre dado a marotagens
Guri nenhum chegou perto
Das suas mariolagens

Logrando qualquer otário
Sabido como ele só
Fez ainda no berçário
Tráfico de leite em pó

Arranjava qualquer jeito
Pra que o mal fosse deleite
Mordia o bico do peito
Da sua ama-de-leite

Recrutado coroinha
Pelo padre Manuelo
Fazia da igreja rinha
Para galos de duelo

Ingressou na adultez
Gaiato sem retrocesso
Aguardou a sua vez
E entrou para o Congresso

É agora sem remendo
Político, um menino
Ele continua sendo
Um pilantra genuíno