Agora vou contar o que vi quando estava em Jaçanã, mais ou menos perto do arruado de Cavalo D’ouro.
Passei lá ao redor de dois meses, na época da seca mais impiedosa. Fiquei hospedado na casa do Seu Juarez Silvino, vulgo Perna-de-alicate. Juarez era um sujeito parrudo e chaboqueiro. Tinha as pernas arqueadas, iguais as dum alicate. Mas a característica mais importante desse homem é o seu temperamento. "Ruim que só o cão", diziam as velhas comadres debruçadas sobre as janelinhas da vilota. Eu prefiro classificá-lo como intolerante. Penso que a maldade não lhe era inerente, não nascera com ela. Mas o mundo, as pessoas plantavam-lhe a semente da burrice e colhiam os frutos amargos e merecidos da vingança.
Para explicar melhor a intransigência do Perna-de-alicate, é melhor eu dar um exemplo.
Certa feita, Franzé, um mama-na-égua e papudinho das redondezas, deu para bulir com uma das filhas donzelas de Juarez. Quando ela, lata na cabeça, ia buscar água no açude, Franzé gritou injúrias e imoralidades: "Ah, um pão nessa padaria...", "Minha filha tá com um fervilhão na cerimônia?!".
Temerosa, a menina apressou a passada e nem olhava para trás. Mesmo sob efeito de cana, o nó-pelas-costas forcejou por alcançá-la. E conseguiu. Derrubou a coitada na beira do açude e tirou-lhe a honra. Explorou tão vorazmente a priquitança, que acabou por deixá-la esfulepada.
Logo que soube do acontecido, Perna-de-alicate decretou pena de morte ao estuprador. Pegou do facão amolado.
Embriagado, Franzé nem deu fé do grande perigo que dele se avizinhava. Continuou a andar despreocupadamente pelas estradinhas de piçarra da região. Ainda gabava-se aos camaradas de botequim. Julgava o feito um ato heróico, uma proeza digna de Hércules grego.
Mas Juarez estava fumando uma quenga. As gabolices do autor da estréia sexual não durariam mais que duas horas (contadas a partir do momento do delito). Armou-lhe uma tocaia na cabeça do alto. Esperou, esperou.
Passados alguns minutos de espera, Franzé apareceu. Melado e cara de inocente. Sem dizer palavra, Perna-de-alicate deu uma furada bem aqui no pescoço, lá nele.
Eu observava silencioso a desforra detrás dum juazeiro. Vi, por fim, o pobre-diabo, se vendo de dor no chão, pedir um último gole de cachaça da branquinha.