Poucas coisas são tão inúteis quanto um hino. O peito de homem, por exemplo, é uma delas. Um hino enaltece (eufemismo para o verbo louvaminhar) agremiações esportivas, monarcas, partidos, pessoas tidas como heróis de uma nação e até Deus. Não se limita a pintar fielmente a realidade, sempre forceja por atribuir glórias extras ao objeto da homenagem.
Um hino bastante conhecido por nós é o Hino Nacional, o mais importante aforismo patriótico; a máxima dos ufanosos brasileiros. É uma obra do mais legítimo rigor utópico, apinhada de vocábulos rebuscados e de hipérbatos, que, para a populaça, não passam de grego. Além dos seus “lábaros”, das suas “margens plácidas” e do seu “impávido colosso”, possui a corriqueira retórica laudatória dos hinos. O que Osório Duque Estrada descreveu, seguramente, não foi o nosso Brasil, foi um paraíso bíblico.
Ah, se fosse uma mãe gentil, que tratasse toda a sua prole igualmente! Se um filho nunca fugisse à luta! Se os nossos bosques tivessem mais vida, não fossem queimados! Se o seu céu fosse formoso, risonho e límpido, para que nele a imagem do cruzeiro pudesse resplandecer! Se fosse uma pátria realmente amada e adorada!
Antes que algum brasileiro me chame de desertor ou traidor, adianto que sou patriota. Temos que defender nossos interesses no contexto mundial. Temos que ser patriotas. Mas patriotas cônscios da atual conjuntura sócio-econômica do Brasil, que não se iludem com as palavras de bonitas de um hino. Cientes de que esse nosso “jeitinho brasileiro” ainda não conseguiu alimentar e educar as crianças e de que Deus, definitivamente, não é tupiniquim.
Muitos decoram o Hino para cantá-lo em jogos de futebol e se julgam grandes brasileiros, verdadeiros casquilhos com ares de Policarpo Quaresma. É preciso torná-los capazes de compreender a situação em que está a nação e de promover o seu desenvolvimento. Assim, finalmente, ela fará jus ao “ordem e progresso” que ostenta na sua bandeira.