Saturday, April 30, 2005

Soneto a um rato de circo

Soneto em homenagem aos ratos equilibristas que arriscam suas vidas sobre fios em exibições na Casa de Cultura Alemã. Executam uma travessia perigosíssima entre o prédio principal e a Sala Interarte.


Soneto a um rato de circo

Sobre fios, com germânico afã
e domínio sobre o medo da morte,
enleva platéias de toda sorte
num berço de cultura alemã.

Murídeo destemido, esse rato
serelepe, roedor e artista
é um ás do ofício equilibrista;
tem um talento que é deveras lato.

Roendo os compêndios literários,
esse rattu tornou-se poliglota.
É um ser de desejos arbitrários,

excêntrico modelo, esse janota.
É absoluto na passarela;
o legítimo rei da mussarela!

Sunday, April 24, 2005

Soneto a um boneco de posto

A criatura de sopros, etérea,
tremula dançante ao sabor do vento,
oriundo da máquina venérea.
Nesse soprar, aplica-lhe tormento

o citado aparelho de metal,
que pelos fios e placas de latão,
é mero mediador de um sermão
da energia, peça principal.

Um pobre desgraçado instrumento,
um simples manequim publicitário.
Foge dessa situação de otário!

Decola, voa, põe-te em movimento!
Exulta, seu ridículo exposto!
Não sejas mais um boneco de posto.

Saturday, April 16, 2005

Por trás do verde-louro dessa flâmula

Poucas coisas são tão inúteis quanto um hino. O peito de homem, por exemplo, é uma delas. Um hino enaltece (eufemismo para o verbo louvaminhar) agremiações esportivas, monarcas, partidos, pessoas tidas como heróis de uma nação e até Deus. Não se limita a pintar fielmente a realidade, sempre forceja por atribuir glórias extras ao objeto da homenagem.

Um hino bastante conhecido por nós é o Hino Nacional, o mais importante aforismo patriótico; a máxima dos ufanosos brasileiros. É uma obra do mais legítimo rigor utópico, apinhada de vocábulos rebuscados e de hipérbatos, que, para a populaça, não passam de grego. Além dos seus “lábaros”, das suas “margens plácidas” e do seu “impávido colosso”, possui a corriqueira retórica laudatória dos hinos. O que Osório Duque Estrada descreveu, seguramente, não foi o nosso Brasil, foi um paraíso bíblico.

Ah, se fosse uma mãe gentil, que tratasse toda a sua prole igualmente! Se um filho nunca fugisse à luta! Se os nossos bosques tivessem mais vida, não fossem queimados! Se o seu céu fosse formoso, risonho e límpido, para que nele a imagem do cruzeiro pudesse resplandecer! Se fosse uma pátria realmente amada e adorada!

Antes que algum brasileiro me chame de desertor ou traidor, adianto que sou patriota. Temos que defender nossos interesses no contexto mundial. Temos que ser patriotas. Mas patriotas cônscios da atual conjuntura sócio-econômica do Brasil, que não se iludem com as palavras de bonitas de um hino. Cientes de que esse nosso “jeitinho brasileiro” ainda não conseguiu alimentar e educar as crianças e de que Deus, definitivamente, não é tupiniquim.

Muitos decoram o Hino para cantá-lo em jogos de futebol e se julgam grandes brasileiros, verdadeiros casquilhos com ares de Policarpo Quaresma. É preciso torná-los capazes de compreender a situação em que está a nação e de promover o seu desenvolvimento. Assim, finalmente, ela fará jus ao “ordem e progresso” que ostenta na sua bandeira.

Saturday, April 09, 2005

Fugacidade aquilina

Fosse ave de rapina
Comesse o tenro cordeiro
Matasse o rato matreiro
Voaria até a China
Fugindo da sua sina
De ser galo no terreiro

Fosse um animal sabido
De ávida esperteza
De apurada realeza
Como bandeirante tido
Por sangue humano movido
Venceria a Natureza

De certo ele fugiria
Do desenlace mais probo
Do céu da boca-de-lobo
Mas aonde ele iria?
À casa de alguma tia
Ou para fora do globo?

Cartola de rato

Cartola de rato

O mago da prestidigitação
Nos truques, faz sólido arcabouço
Guarda lenços e moedas no bolso
Da calça cáqui de pano do algodão

É viperino diabrete-abade
Percorre ruas ao prazer do vento
Percorre praças sempre no intento
De moldar tudo à sua vontade

Modela habilmente a argila
Transforma água benta em tequila
Rosas vermelhas em bombas de guerra
Templos de oráculos em cocaína

Isonitrila em carbilamina
Duna arenosa em sólida serra
Cocaína na tampa do ataúde
Que encerra a fina flor da juventude

Sunday, April 03, 2005

Temporada de caça ao coelho

Paulo Coelho é nome contumaz em discussões literárias, sejam naquelas travadas por especialistas ou em meras arengas de pseudo-intelectuais. Tentam esclarecer os motivos que o levaram a tamanho sucesso: cerca de 65 milhões de exemplares vendidos em 150 nações. Como justificar esse assombroso patamar mercadológico, a que chegou o antigo parceiro musical de Raul Seixas? O que dizer de um indivíduo que afirma publicamente ser capaz de fazer chover?

O êxito é facilmente explicado: na atual sociedade, de valores animalescos e escatológicos, uma leitura de fácil compreensão mais elementos de auto-ajuda é igual à venda da obra. Essa é a fórmula mágica do sucesso. Quanto à sua incrível habilidade de controlar os elementos naturais, creio que o leitor, com o mínimo da sua inteligência, fará o juízo cabível.

Apesar de suas literatices, “Pau no cu elho”, como é chamado por alguns críticos mais furiosos, destina porções consideráveis da sua fortuna ao Instituto Paulo Coelho, que oferece saúde, alimentação e educação para 320 crianças. É um grande filantropo, não autor; muito menos mago. O único truque que ele de fato executa é transformar merda em dinheiro. Nisso ele é um verdadeiro mestre.

"O que me impressiona é o número de leitores que declaram que um livro de Paulo mudou sua vida. Às vezes nem é o livro inteiro, mas uma única frase", diz Anne Carrière, primeira editora do escritor na França. É, Anne, também me impressiona.