Saturday, May 28, 2005

Barbeiro

Um mancebo matamouros
Ferrabrás inveterado
Enfeitava-se com ouros
E era muito desbocado

Tinha só catorze anos
Mas, na força, tinha vinte
Mui belos eram seu panos
Sedas de grande requinte

Metia-se com cocotes
Freqüentava cabarés
Meninas vinham aos lotes
Lavar e beijar seus pés

Como em todo rapazola
Cresceu-lhe um fino bigode
Ele então pensou gabola
"Um troço desse não pode"

Pegou logo da gilete
Do creme de barbear
Do objeto que reflete
E entrou a navalhar

Coitado, inexperiente
Cometeu a barbeiragem
De cortar profundamente
Sua face qual barragem

Wednesday, May 25, 2005

Canção do Asilo

Minha terra tem Palmeiras
Onde canta o marajá
O chumbo, que aqui gorjeia
Não gorjeia como lá

Em cismar, sozinho, à noite
Mais mulheres acho lá
Mais botecos satisfeitos
E moças à beira-mar

Minha casa é lá no morro
Tenho medo de voltar
Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá

Sem que eu veja seus primores
Sem brandir o maracá
Da tribo tupiniquim
Que habita o além-mar

Eu e a galera do mal

Eu e a galera do mal
"Porra, essa menina marcou o encontro logo aqui", pensei, puto de raiva. Já tinha passado algumas vezes pela Praça Portugal, mas nunca tinha reparado nos tipos estranhos que andavam por lá. Uns nerdões gordões quatro-olhos que se debruçavam sobre as mesas apertadas do McDonalds olhando uns desenhos de uns bonecos do olhão. Outros vestindo camisas com nomes de bandas de rock (tipo Angra, Shaman, Linkin Park, Blink 182...essas merdas). Enfim, um bando de gente diferente. Todos de preto. Eram diferentes, mas pareciam legais. Pareciam...

Comecei a ficar puto com os olhares desconfiados deles. Olhavam pra mim como se eu fosse um demônio alado de 8 braços e 12 pernas, igual ao que eu vi numa camisa. Vi se a minha bermuda floral não estava suja. Passei a mão no meu topete oxigenado pra ver se ele estava no lugar. Tudo ok, mas eles insistiam em olhar. Tudo bem se apenas olhassem, mas teve um que ainda soltou uma piadinha: "... alça de boquete... ". E saiu rindo com ares de "mamãe sou vampiro". Falando do meu topete... Que filho da puta!

A menina não chegava! E eu me arrependia: " Porra, era pra eu ter pedido a foto dela, a que eu vi na imagem de exibição do MSN era muito pequena, nem deu pra ver se ela era gata mesmo". Ela me tinha me dito que estaria usando uma blusa da Avril Lavigne e um cordão com o "A" da anarquia. Mas tinha um monte de menina assim! Vacilei várias vezes...
- Natália?
- Tá louco?! Sai daí, doente! (Não era a Natália, era a Camila)
- Natália?
- Que é isso, brother?! Sou macho! Sai fora! (Não era a Natália, era um cabeludo com a camisa da Avril Lavigne)

E ela não chegava!

- Calma, rapaz! Ela é gata! Aquele cabelo liso dela é natural mesmo, né chapinha não. Calma! Ela vai acabar dando pra ti! – zumbia a voz do diabinho.
-Exulta, nobre homem! Foge deste antro de promiscuidade e heresia! Volta a tua morada e estuda! – aconselhava a voz do anjinho.

Acabei ficando mesmo. Até que ela chegou. Era realmente gata: notável comissão de frente, um patuá que era um 80, belos seios e uma bela bunda! Magnífica! Usava a camisa da tal Lavigne e o tal cordão subversivo. Foda que foi com uns amigos, uns caras diferentes. Um parecia viado, desses esotéricos, que vivem dizendo que, em vidas passadas, eram cortesãs do sul da França e que sonham em reencarnar nas asas de uma borboleta-monarca pra voar em lindos campos floridos. Um brinco! O outro, que vinha do Matrix, usava um sobretudo preto e óculos escuros. Feitas as apresentações de praxe, ela perguntou o que faríamos.

O discípulo do Neo foi logo falando:
- Rola Magic hoje?
- Opa! Na hora! – gritou a biba.
-Tá bom. Vamos jogar Magic então!
- O que é Magic?!
- É um jogo de cartas. Você é um mago e tem que enfrentar outro mago. Aí tem as criaturas..essas aqui, ó: 1/1, 2/3, esse elfo, esse soldado. Tem as mágicas instantâneas, os feitiços, os encantamentos...esse aqui é foda, ó: Investida do Éter! O objetivo é tirar os 20 pontos de vida do oponente...
- Aaahh..entendi..é tipo Yu-Gi-Oh, né?
- Nãããããoooo!!! – em coro.
- O que foi?!
- Yu-Gi-Oh é uma merda, cara! Isso aqui é Magic, pô! Magic, The Gatherig! O card game mais foda que tem! Num mete porra de Yu-Gi-Oh aqui não!
- Ah...entendi... Mas é um pouco parecido...
- Nããããoooo!!! – outro coro.
- Tá bom, gente, é melhor fazer outra coisa.
- Que tal RPG?
- É...pode ser.
- Quer ir também, Lucas?
- RPG?! Ah...já sei! RPG não é aquele negócio de fisioterapia...pra postura?
- Nããããoooo!!!
- É outro RPG, pô! É o RPG: R-O-L-E P-L-A-Y-N-G G-A-M-E! Num tem nada de merda de fisioterapia não! É o jogo!
- Ah...mas tem o RPG da fisioterapia?
- Tem, Lucas, tem! Mas esse aqui é outro!
- Ah..entendi. Pô, mano, vocês são muito estressados...
- Aaaahhhhhh!!! – coro .
- O que foi?!
- Você falou "mano", seu pagodeiro!
- Que que tem!?
- Nada, Lucas, não tem nada...mas, por favor, não fala mais isso!
- Tá bom, mano.
- Aaaaaahhhh!!!
- Caralho, se tu falar isso mais uma vez, eu faço tu engolir esses dados tudim aqui!

Ah, os dados! Aqueles dados eram uma beleza! Nunca tinha visto dados como aqueles! Dados de 10 faces, de 8, de 12, até de 20! Que maravilha! E eram muitos...muitos e bonitos! Tinha uns transparentes, uns laranjas, azuis, coloridos! Tinha de tudo quanto era cor! O melhor era o verdinho translúcido.

Depois que eles me ensinaram mais ou menos, a gente começou a jogar. Não entendi direito esse negócio de falha crítica, de dificuldade 7, de pontos de sangue, de disciplinas, muito menos de clãs. Mas o importante era que eu tava com um vampiro forte pra caralho que podia ficar invisível...

- Vai, Luquinhas, é o teu turno! – disse o viadinho, que no jogo era Dindon de Mon Cherry.
- Eu tô andando na rua e encontro uma carteira cheia de dinheiro e ...
- Nããããoooo!!!
- O que foi?!
- Você não pode dizer o que vê! Quem diz isso é o narrador!
- Quem é o narrador?
- Porra, Lucas, eu num te falei que era eu?! Sou eu, má! Tu só vê o que eu digo!
-Tá bom... o que eu tô vendo?
- Tu tá vendo um homem saindo dum beco escuro...
- Eu corto a cabeça dele com o meu canivete e ...
- Nããããoooo!!!
- O que foi?!
- Tem que fazer um teste primeiro!
- Teste?! Que teste?!
- Nam, Lucas, pelo o amor de Deus! Tu num serve pra jogar não!

Aí ela me ofendeu! Me chamar de inútil e incapaz é putaria! Foi o fim da picada...

- Natália, sua cachorra, vai procurar uma lavagem de roupa! E vocês, seus nerds do caralho, vão atrás de buceta!

E fui embora.

Saturday, May 21, 2005

Metapoema

Assim como os grandes literatos
e poetas,
faço poemas. Prosaicos ou herméticos,
são poemas.
E, como é inerente às torres de papel-marfim,
faço agora este poema. Não é bem um poema:
é um metapoema.
Celebro agora o ato nobre da criação,
de toda a incubação literária. Não
é só aconchego e lirismo:
é adultério.
Há também campos, impaciência e desassossego
barbarismos, feiúras e Barbarei
solecismos, redundâncias, cataclismos
prolixidade, pleonasmos e repetições
mintiras, disgraças e porres
ruas e bordéis.
Há ostentação deliberada e cavalheiresca
de palhaços buliçosos brincando em andaimes.
É como fingir ser catador de papel e lata.
Juntar tudo o que o povo não quer
e não sabe,
separar a lata do papel,
botar num saco de plástico
e vender
ao dono da sucata.

Saturday, May 14, 2005

Santo subito!

Depois que morre, todo mundo vira santo. Morre o líder do tráfico de drogas da Favela do Gato Morto, e a mãe dele diz: "Oh, coitadinho do meu filho! Não fazia mal a ninguém"! Claro que não se pode comparar um reles traficante de favela ao glorioso Karol Wojtyla, sumo pontífice da Igreja por quase 27 anos, mas, seguramente, o prestígio de qualquer finado cresce em relação ao que ele tinha em vida.

Pois é, querem tornar o ex-papa João Paulo II santo. O papa Bento XVI já anunciou o início do processo de beatificação, que antecede o de canonização, do virtuoso polonês. Isso após 42 dias da sua morte, o que, de acordo com os trâmites tradicionais da Igreja, deveria começar só depois de 5 anos. A pressa é grande.

A beatificação exige a demonstração, ante uma equipe de sábios médicos e teólogos, de um milagre executado por ele. Depois, um segundo deve ser provado para que Karol seja declarado santo. Espero um bom milagre: a cura do câncer ou da AIDS, por exemplo. Tomara que não seja uma lavratura de imagem sacra numa janela de vidro ou um espetacular derramamento lacrimal de sangue.

Durante o seu pontificado, João Paulo II beatificou 1.338 pessoas e proclamou 482 santos. Em apenas 26 anos, foram proclamados por ele mais do que em quatro séculos por todos os seus antecessores juntos. É muita gente.

Além disso, foi um papa peregrino. Viajou pelo mundo inteiro levando o ideário cristão. Expandiu ainda mais os domínios da Igreja. Sofreu um atentado a bala e perdoou o autor, o que rendeu-lhe muitos pontos para uma futura canonização. Deixou uma valiosa herança para a cristandade. Foi um carismático arauto da Palavra. Queria vê-lo dando o outro lado do abdome caso o assassino voltasse.

Ode-epitáfio a uma subversiva agitadora de multidões

De ti, que estás ao meu lado
Ó viçosa garotinha
Recebi, e de bom grado
O amor que eu não tinha

Tão airosa e tão faceira
Menina de cem mil dotes
De beleza sobranceira
Que inspira muitos motes

Meninota mui sapeca
De passada tão louçã
Foi naquela biblioteca
Que eu passei a ser teu fã

Com ares de modernista
Fumavas a cigarrilha
E usavas, futurista
Uma calça com braguilha

Mamãe não fazia gosto
(Foi um tenebroso vate)
Da guapice do teu rosto
Qual a russa de Malfatti

Terminando a lavratura
Do epitáfio derradeiro
Deixo aqui na sepultura
Tua chave e teu dinheiro

Agora vejo deveras
Como estás tão maviosa
Mal sabia que tu eras
Uma fina mafiosa

Epopéia de um canhoto que queria ser destro

Para atravessar o muro
Precisava de convite
Mas o homem fez um furo
Eine Kirche gegen Nietzsche

No auge do devaneio
No lombo de um mamute
Ele quis dar um passeio
Und drei Ecken hat mein Hut

Foi expulso da boate
Ficou no meio da rua
Quis voltar por um combate
Eine Tante ohne Uhr

Foi dizer ao comandante
Que ele era um patife
Ficou roxo o seu semblante
Die Brunnen sind sehr tief



Nota de tradução:
Eine Kirche gegen Nietzsche - Uma igreja contra Nietzsche
Und drei Ecken hat mein Hut - E três pontas tem meu chapéu
Eine Tante ohne Uhr - Uma tia sem relógio
Die Brunnen sind sehr tief - Os poços são muito profundos