Eu e a galera do mal
"Porra, essa menina marcou o encontro logo aqui", pensei, puto de raiva. Já tinha passado algumas vezes pela Praça Portugal, mas nunca tinha reparado nos tipos estranhos que andavam por lá. Uns nerdões gordões quatro-olhos que se debruçavam sobre as mesas apertadas do McDonalds olhando uns desenhos de uns bonecos do olhão. Outros vestindo camisas com nomes de bandas de rock (tipo Angra, Shaman, Linkin Park, Blink 182...essas merdas). Enfim, um bando de gente diferente. Todos de preto. Eram diferentes, mas pareciam legais. Pareciam...
Comecei a ficar puto com os olhares desconfiados deles. Olhavam pra mim como se eu fosse um demônio alado de 8 braços e 12 pernas, igual ao que eu vi numa camisa. Vi se a minha bermuda floral não estava suja. Passei a mão no meu topete oxigenado pra ver se ele estava no lugar. Tudo ok, mas eles insistiam em olhar. Tudo bem se apenas olhassem, mas teve um que ainda soltou uma piadinha: "... alça de boquete... ". E saiu rindo com ares de "mamãe sou vampiro". Falando do meu topete... Que filho da puta!
A menina não chegava! E eu me arrependia: " Porra, era pra eu ter pedido a foto dela, a que eu vi na imagem de exibição do MSN era muito pequena, nem deu pra ver se ela era gata mesmo". Ela me tinha me dito que estaria usando uma blusa da Avril Lavigne e um cordão com o "A" da anarquia. Mas tinha um monte de menina assim! Vacilei várias vezes...
- Natália?
- Tá louco?! Sai daí, doente! (Não era a Natália, era a Camila)
- Natália?
- Que é isso, brother?! Sou macho! Sai fora! (Não era a Natália, era um cabeludo com a camisa da Avril Lavigne)
E ela não chegava!
- Calma, rapaz! Ela é gata! Aquele cabelo liso dela é natural mesmo, né chapinha não. Calma! Ela vai acabar dando pra ti! – zumbia a voz do diabinho.
-Exulta, nobre homem! Foge deste antro de promiscuidade e heresia! Volta a tua morada e estuda! – aconselhava a voz do anjinho.
Acabei ficando mesmo. Até que ela chegou. Era realmente gata: notável comissão de frente, um patuá que era um 80, belos seios e uma bela bunda! Magnífica! Usava a camisa da tal Lavigne e o tal cordão subversivo. Foda que foi com uns amigos, uns caras diferentes. Um parecia viado, desses esotéricos, que vivem dizendo que, em vidas passadas, eram cortesãs do sul da França e que sonham em reencarnar nas asas de uma borboleta-monarca pra voar em lindos campos floridos. Um brinco! O outro, que vinha do Matrix, usava um sobretudo preto e óculos escuros. Feitas as apresentações de praxe, ela perguntou o que faríamos.
O discípulo do Neo foi logo falando:
- Rola Magic hoje?
- Opa! Na hora! – gritou a biba.
-Tá bom. Vamos jogar Magic então!
- O que é Magic?!
- É um jogo de cartas. Você é um mago e tem que enfrentar outro mago. Aí tem as criaturas..essas aqui, ó: 1/1, 2/3, esse elfo, esse soldado. Tem as mágicas instantâneas, os feitiços, os encantamentos...esse aqui é foda, ó: Investida do Éter! O objetivo é tirar os 20 pontos de vida do oponente...
- Aaahh..entendi..é tipo Yu-Gi-Oh, né?
- Nãããããoooo!!! – em coro.
- O que foi?!
- Yu-Gi-Oh é uma merda, cara! Isso aqui é Magic, pô! Magic, The Gatherig! O card game mais foda que tem! Num mete porra de Yu-Gi-Oh aqui não!
- Ah...entendi... Mas é um pouco parecido...
- Nããããoooo!!! – outro coro.
- Tá bom, gente, é melhor fazer outra coisa.
- Que tal RPG?
- É...pode ser.
- Quer ir também, Lucas?
- RPG?! Ah...já sei! RPG não é aquele negócio de fisioterapia...pra postura?
- Nããããoooo!!!
- É outro RPG, pô! É o RPG: R-O-L-E P-L-A-Y-N-G G-A-M-E! Num tem nada de merda de fisioterapia não! É o jogo!
- Ah...mas tem o RPG da fisioterapia?
- Tem, Lucas, tem! Mas esse aqui é outro!
- Ah..entendi. Pô, mano, vocês são muito estressados...
- Aaaahhhhhh!!! – coro .
- O que foi?!
- Você falou "mano", seu pagodeiro!
- Que que tem!?
- Nada, Lucas, não tem nada...mas, por favor, não fala mais isso!
- Tá bom, mano.
- Aaaaaahhhh!!!
- Caralho, se tu falar isso mais uma vez, eu faço tu engolir esses dados tudim aqui!
Ah, os dados! Aqueles dados eram uma beleza! Nunca tinha visto dados como aqueles! Dados de 10 faces, de 8, de 12, até de 20! Que maravilha! E eram muitos...muitos e bonitos! Tinha uns transparentes, uns laranjas, azuis, coloridos! Tinha de tudo quanto era cor! O melhor era o verdinho translúcido.
Depois que eles me ensinaram mais ou menos, a gente começou a jogar. Não entendi direito esse negócio de falha crítica, de dificuldade 7, de pontos de sangue, de disciplinas, muito menos de clãs. Mas o importante era que eu tava com um vampiro forte pra caralho que podia ficar invisível...
- Vai, Luquinhas, é o teu turno! – disse o viadinho, que no jogo era Dindon de Mon Cherry.
- Eu tô andando na rua e encontro uma carteira cheia de dinheiro e ...
- Nããããoooo!!!
- O que foi?!
- Você não pode dizer o que vê! Quem diz isso é o narrador!
- Quem é o narrador?
- Porra, Lucas, eu num te falei que era eu?! Sou eu, má! Tu só vê o que eu digo!
-Tá bom... o que eu tô vendo?
- Tu tá vendo um homem saindo dum beco escuro...
- Eu corto a cabeça dele com o meu canivete e ...
- Nããããoooo!!!
- O que foi?!
- Tem que fazer um teste primeiro!
- Teste?! Que teste?!
- Nam, Lucas, pelo o amor de Deus! Tu num serve pra jogar não!
Aí ela me ofendeu! Me chamar de inútil e incapaz é putaria! Foi o fim da picada...
- Natália, sua cachorra, vai procurar uma lavagem de roupa! E vocês, seus nerds do caralho, vão atrás de buceta!
E fui embora.